sábado, 25 de fevereiro de 2012

a vírgula - Pasquale Cipro Neto

28/10/2011 | Duas palavras sobre a vírgula
Pasquale Cipro Neto

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Já faz tempo que não troco com os leitores duas palavras sobre o emprego dos sinais de pontuação. Nem preciso dizer que a vírgula é _de longe_ a campeã das solicitações dos leitores quando tratam do assunto “pontuação”.

Para começar, não custa (re)lembrar que é melhor deixar de lado pérolas como “a vírgula serve para respirar” ou “cada vez que se respira, coloca-se uma vírgula”. Definitivamente, é bom esquecer esses “conceitos”.

Essas falsas teses decorrem _provavelmente_ da inversão do raciocínio: como a vírgula muitas vezes indica uma pausa, supõe-se (erroneamente) que a toda pausa corresponde uma vírgula. Não é assim. Quando o sujeito é longo, por exemplo, é normal que, na leitura, haja uma pausa entre ele e o verbo, o que não significa que se deva colocar uma vírgula entre esses dois termos da oração.

Verbo e sujeito (ou sujeito e verbo) não se separam por vírgula, mesmo que o sujeito seja extenso. Vejamos estes dois casos: “Meu filho dorme!”; “Meu filho, dorme!”. Nesses trechos, a função de “meu filho” depende da presença ou da ausência da vírgula. No primeiro exemplo (sem vírgula), “meu filho” é o sujeito da oração. Nesse caso, declara-se que o filho dorme. No segundo exemplo, a vírgula transforma “meu filho” em vocativo, que nada mais é do que o ser (real ou personificado) ao qual a mensagem é dirigida. A palavra “vocativo” é da mesma família de “evocar”, “evocação”, “convocar” etc.

Os dois exemplos do parágrafo anterior ilustram bem o que pode ocorrer quando se emprega uma “inofensiva” vírgula. Pode-se, por exemplo, transformar o sujeito em vocativo (e vice-versa); pode-se, enfim, pura e simplesmente alterar o sentido do texto.

Em mensagens publicitárias (de empresas privadas ou de órgãos públicos) é comum o emprego do vocativo sem a vírgula. Há algum tempo, havia uma campanha cujo lema era “Acorda Brasil!”. Que significa isso? Tudo, menos o que parecia ser o objetivo do Ministério da Educação (patrono da campanha). Para que o termo “Brasil” funcionasse como vocativo, teria sido necessário separá-lo por vírgula (“Acorda, Brasil!”).

A esta altura, alguém talvez esteja pensando nas formas verbais “acorda” e “dorme”, das frases “Acorda, Brasil!” e “Meu filho, dorme!”. Para que se configurasse a ideia de ordem e para que “Brasil” e “meu filho” efetivamente tivessem a função de vocativo, não seria necessário que as formas verbais fossem “acorde” e “durma”, respectivamente? A resposta é não. Consegue-se o tom imperativo (de ordem) na mensagem tanto com “acorda” e “dorme” quanto com “acorde” e “durma”.

Em termos de língua padrão, “acorda” e “dorme” são da segunda pessoa do singular (“tu”) do imperativo afirmativo, que, como já vimos algumas vezes neste espaço, deriva do presente do indicativo (sem o “s” final”). De “acordas (“tu acordas”) e “dormes” (“tu dormes”), fazem-se “acorda” e “dorme” (segunda pessoa do singular do imperativo afirmativo de “acordar” e “dormir”, respectivamente). Sempre em termos de língua padrão, a terceira pessoa do singular do imperativo é feita a partir do presente do subjuntivo (“acorde” e “durma”, respectivamente).

Moral da história: em “Acorda, Brasil!” e “Meu filho, dorme!”, temos (de acordo com a língua padrão) a segunda pessoa do singular (“tu”) do imperativo afirmativo; em “Acorde, Brasil!” e “Meu filho, durma!”, temos a terceira pessoa do singular (“você”). Se pensássemos na língua oral do Brasil, a questão seria um pouco diferente, mas isso fica para outra coluna.

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